TEMPERATURA E INVERSÃO TÉRMICA
SUA INFLUÊNCIA NO VÔO DO POMBO-CORREIO
ANTECEDENTES
Em Dezembro de 1998 e Janeiro de 1999 fui confrontado com perdas muito elevadas de Pombos Correio na “aldeia columbófila” do Entroncamento em soltas aparentemente fáceis 20 a 30 km de distância com céu limpo. Por esta altura deslocava-se diariamente a este local o “Zeca” Raimundo, antigo delegado de solta da Federação Portuguesa de Columbofilia nas soltas internacionais (quando se faziam os transportes de comboio).
Amante da necessidade de saber o porquê de tais causas indaguei o velho “Zeca” sobre a sua opinião de tais percas. A resposta foi rápida e simples: “O Astro está baixo”.
Neste mesmo período, num dia em que estava de previsor de serviço ao Comando Operacional da Força Aérea (COFA-CIMFA) fui contactado, na qualidade de meteorologista sobre um acidente com Pombos-correio que tinha acontecido num dia de céu limpo no mês de Junho. Da análise meteorológica solicitada, à chefia da Força Aérea, não se encontrou razão meteorológica que justificasse tal acidente.
A toda esta informação juntava a minha experiência de pequenos e grandes incidentes/acidentes ao longo de 30 anos de columbofilia. Três períodos de incidentes/acidentes apareciam num hipotético mapa negro anual: Dezembro/Janeiro – (acidentes individuais), Abril – (acidentes distritais) e Junho – (acidentes distritais ou nacionais). A todas estas situações se procurou respostas sem encontrar saída. É no dia de 17 de Abril de 2004, que começa a aparecer pequenos elos de ligação entre determinados factos. Esta ligação é extremamente difícil de fazer porque: não sabendo como é que se efectua a orientação do Pombo-correio não se pode saber quais as causas que levam a contribuir negativamente para a sua orientação. Em suma: tinham sido detectados diversos pontos sem fio condutor. Na véspera da solta do referido dia é reportado pelo delegado de solta de Lisboa ao seu coordenador que os pombos estavam “murchos” e que não queriam comer. O coordenador de solta de Lisboa (António Cordeiro) no seu contacto habitual da véspera dos concursos com o meteorologista assistente, em termos de desabafo e alguma preocupação, relata o que o seu delegado lhe tinha dito. Como não se previa precipitação para o local e em rota, mas sim céu nublado essencialmente com estratocúmulos e vento de Sudoeste o meteorologista assistente informou-o de modo a que se preparasse para uma solta, meteorologicamente falando, normal, voada a baixa velocidade.
No dia da solta e cerca das 04H30 da manhã o coordenador de Setúbal (David de Almeida Cardoso) na conversa sobre o tempo que estava e que iria fazer durante a prova, reporta que o seu delegado de solta lhe tinha confessado que os pombos pareciam “apáticos”.
O coordenador de Aveiro (José Eduardo) fez o contacto habitual e soltou os seus pombos em La gineta. E é aqui que se faz alguma luz e surge mesmo a ideia, que algo de muito grave estava a acontecer, quando o delegado de solta de Aveiro reporta ao seu coordenador que teve que forçar a saída de muitos pombos. Estávamos perante um facto, que àquela hora era impossível de impedir, conscientes que não sabíamos o que se estava a passar, mas os pombos tinham detectado algo de anormal. Restava apenas esperar. E o que temíamos aconteceu: incidente para alguns e desastre para outros. Neste mesmo dia, registou-se um desastre na solta de Saragoça para o distrito do Porto. Saliente-se que, no regresso, nenhuma das galeras encontrou precipitação ou ventos fortes de bico. Só vento de Sudoeste 15 a 25 Km/H.
Depois deste acontecimento foram contactados alguns delegados e coordenadores de solta, dos mais experientes. Estes foram questionados da sua percepção sobre o estado de espirito dos Pombos-correio antes das largadas. Todos os inquiridos não sabiam ou nunca tinham relacionado este facto com os resultados das provas. É em 2005 numa solta de meio fundo, El Haral, para o distrito de Santarém, que estava bastante atrasada devido à precipitação e quase a ser anulada, que o delegado de solta (Manuel Ideias) numa conversa informal diz: “Como eles estão dentro das caixas nem que chovesse torrencialmente, eles chegariam a casa”. Com base na experiência de 30 anos como delegado de solta e porque a linha de instabilidade estava a acabar de passar o local, restando alguns aguaceiros em rota, efectua-se a solta às 11h30. Resultado uma prova normal sem incidentes/acidentes. O delegado não sabia o porquê mas a sua experiência dizia-lhe que quando os pombos estavam com aquela vivacidade tudo corria bem.
Em 16 Junho de 2005 novo incidente/acidente num treino do grande prémio Gaspar Vila Nova, na solta de Tomar, efectuada em Junho, quinta-feira. Dois dias depois, Sábado, novo incidente/acidente com o distrito de Aveiro. Muitos pombos apareceram mortos no mar (praia de Mira e outras) ou foram apanhados a mais de 40 milhas da costa (ao largo da Figueira da Foz). Saliente-se que as soltas efectuadas no dia seguinte, Domingo, correram com algum grau de dificuldade mas não se podendo reportar como de incidente/acidente, para todos os restantes distritos continentais. É de reportar no entanto que continuaram a ser apanhados pombos no mar (ao largo Leixões). Todas estas soltam foram efectuadas com céu limpo.
Em 28 de Maio de 2006 desastre para todos os distritos e colectividades que soltaram a Sul. Houve pombos apanhados no mar (ao largo de Lisboa e Figueira da Foz) e pombos mortos (zona de Setúbal). No entanto, os distritos que soltaram a Norte, Santarém e Portalegre, reportaram perdas inferiores a 10%, contrariando os 60 a 70% dos distritos e colectividades que soltaram a Sul, independentemente da distância efectuada. Registe-se que as soltas a Sul foram efectuadas a uma altitude entre os 50 e 250 metros, voadas junto ao mar e as soltas efectuadas a Norte foram efectuadas acima dos 700 metros e voadas pelo interior do continente português e que neste dia havia uma inversão térmica desde a superfície até aos 900 metros de altitude.
INTRODUÇÃO
Na sociedade actual, quando se depara um problema, ele é estudado exaustivamente de modo a compreendê-lo e a encontrar a solução para o resolver.
Especificamente na medicina, procura-se compreender o comportamento das bactérias e vírus, de modo a elaborar o antibiótico ou vacina eficaz e solucionar o problema.
Não conhecendo as leis pela qual se rege a orientação do pombo correio, é difícil, mesmo em condições teóricas, ter plena consciência dos factores e/ou elementos meteorológicos ou outros que afectam o modo como o Pombo-correio se orienta no seu regresso a casa. No entanto, existe conhecimento científico e conhecimento de experiências feito que pode, de algum modo e no futuro, evitar ou minimizar catástrofes como aquelas a que temos vindo a assistir.
É essencialmente o desastre de 28 de Maio de 2006, a angústia e o sentimento de impotência que fez voltar a questionar o porquê da simples e filosófica frase do velho “Zeca” Raimundo “O Astro está baixo” para justificar as perdas habituais nos meses de Dezembro/Janeiro.
Estou certo de que se trata, não de uma descoberta, antes pelo contrário de um conjunto de observações e reportes que agora nascem para quem, de futuro, possa entender e desenvolver cientificamente esta questão.
Trata-se de um desafio à comunidade columbófila e científica para, apesar de não sabermos a relação causa efeito, estarmos mais atentos ao estado de espirito do pombo, por um lado, e à relação temperatura e inversão térmica como se explanará seguidamente, por outro.
Não se pretende, debater exaustivamente a relação Temperatura, Inversão Térmica e orientação do Pombo-correio antes sim, fazer uma aproximação às causas da “apatia” do Pombo-correio momentos antes das soltas, que foi comum verificar-se nos incidentes/acidentes ou mesmo desastres estudados. Pretende-se, acima de tudo, alertar, consciencializar e de algum modo desmistificar uma questão actual, cuja vastidão supera as nossas soluções diárias e justificações que, por vezes, visam obter “bodes expiatórios” para justificar a nossa ignorância colectiva, ou, por outro lado, obter dividendos políticos no que concerne à hierarquia columbófila.
TEMPERATURA E CALOR
A Temperatura de um corpo é a condição que determina a sua capacidade de transferir calor para outros corpos ou de o receber deles. Num sistema de dois corpos, diz-se que aquele que perde calor em favor de outro está a uma temperatura superior. Deve-se, no entanto, compreender que a temperatura não tem dimensões e não pode ser medida da mesma maneira que, por exemplo, o comprimento. Corresponde a divisões de uma escala que varia com certas condições. Assim 20ºC não é o dobro de 10ºC, corresponde sim à vigésima divisão de uma escala de 0 a 100 de temperatura.
A temperatura normal de um Pombo-correio ronda os 39º-40º C, e a sua sensação de conforto ou desconforto é idêntica à sensação que se verifica nos seres humanos. Pombos de diferentes lugares obtêm defesas diferentes consoante as características desse lugar. Como é demais sabido, o clima molda as pessoas. Logo é justo retirar a mesma conclusão para o Pombo-correio. Os pombos criados em Portugal, devido ao seu habitat, conseguem suportar temperaturas mais elevadas, dentro de determinados limites, que os seus congéneres dos países do centro ou norte da Europa. Sempre que transportamos Pombos-correio nunca nos devemos esquecer que transportamos seres vivos (atletas de alta competição) em espaço reduzido. Se nos preocupamos com a quantidade de pombos por unidade de volume do nosso pombal bem como da circulação de ar, é justo questionarmo-nos cada vez que fazemos o seu transporte se existe circulação suficiente de modo a obter uma temperatura e oxigenação ideal.
Em relação ao voo em competição do Pombo-correio, verificou-se que:
1. As temperaturas abaixo de 4/5ºC, nos meses de Janeiro a Março podem trazer alguns problemas pela dificuldade que provocam ao voo. O ar é normalmente mais ”pesado” nestes meses. Esta situação deve ser compensada com soltas com sol alto. Ou seja, deve-se aguardar pelo aumento da temperatura implicando quer a “diminuição da densidade do ar” quer a “diminuição da humidade”;
2. As temperaturas entre 10ºC e 27ºC (máxima) são temperaturas óptimas para o voo;
3. As temperaturas máximas entre 28º C e 35º C são as temperaturas que exigem maior atenção pois podem trazer problemas ao voo dos pombos. Qualquer pequena variação pode alterar os valores. Ou seja: excesso de lotação, viajar e carregar cestos nos períodos da temperatura máxima com valores acima de 30º C, viajar mais de 6/8 horas consecutivas sem abeberar e renovação de ar insuficiente. Situações deste tipo podem fazer desidratar os pombos antes de entrarem em competição. Estas temperaturas são habituais entre finais de Abril e princípios de Julho, daí ser de extrema importância a conjugação encestamento/transporte/abeberamento. Saliente-se ainda que para estes valores de temperatura é de crucial importância a relação com a temperatura mínima, pois tem-se verificado que quando se efectuam soltas com mínimas acima de 20ºC as provas são normalmente complicadas. A prova começa efectivamente com o encestamento e não com a a ordem da solta;
4. De acordo com veternários com sensibiliadde columbófila deve-se respeitar os seguintes períodos máximos para abeberamento:
Menos de 20ºC: 12 horas;
Entre 21 a 25ºC: 10 horas;
Entre 26ºC a 30ºC 8horas;
Entre 31ºC a 35ºC 6horas ;
Acima de 35ºC 4horas;
5. As temperaturas máximas de 36/37º C são muito nefastas, podendo mesmo provocar a morte dos pombos. Só pombos muito descansados bem alimentados, bem cuidados durante o transporte e com as vias respiratórias em excelentes condições superam estas dificuldades. Com estes valores térmicos as temperaturas mínimas, em situação de onda de calor, são normalmente superiores a 22/24ºC. Como a temperatura mínima acontece por volta do nascer do Sol é comum verificar-se temperaturas superiores a 30ºC entre as 22 e 01h da manhã. Quando se efectuam treinos das colectividades, os carros, com pouca capacidade de ventilação, estão, a estas horas, normalmente parados a aguardar para saírem para o local de solta o que acontece por volta das 02/04h da manhã. Saliente-se ainda que por falta de ventilação e por se tratarem de ser vivos a humidade relativa aumenta fazendo diminuir exponencialmente os níveis de conforto. Os pombos desidratam e entram em stress, ou seja: estão perdidos antes de entrarem em competição. Os carros das Associações sofrem das mesmas dificuldades, apesar de se ter verificado, nestas situações, um menor número de pombos perdidos: deve-se por certo à deslocação e renovação do ar durante as horas referidas, ao abeberamento e ao menor número de pombos por metro cúbico.
6. Temperatura máxima de 38ºC ou mais é imprópria para o voo de Pombos-correio;
7. Temperatura mínima (cerca do nascer do Sol) igual ou superior a 23ºC é imprópria para o voo de Pombos-correio.
8. Se relacionarmos a temperatura com o vento, o factor negativo em relação ao voo pode aumentar ou diminuir. Assim, mesmo sendo a temperatura elevada (acima de 30ºC) causadora de redução de tempo de voo, se associada a vento de “rabo” torna a viagem mais rápida mas a distância entre pombos na chegada é muito grande fazendo com que as classificações demorem muito a fechar, pois muitos pombos fazem reabastecimento de água pelo caminho de modo a não desidratarem. Se o vento for contra, o desastre é proporcional à temperatura máxima, podendo mesmo ser completo, para temperaturas máximas acima de 36/37ºC;
9. A primeira prova efectuada com calor é normalmente a que provoca mais baixas pela falta de adaptação do pombo, do Columbófilo e da estrutura organizacional ao meio ambiente;
A INVERSÃO TÉRMICA
Uma inversão térmica é um fenómeno meteorológico provocado pela existência de uma massa de ar quente por cima de uma massa de ar mais fria. O gradiente térmico vertical é 6,5ºC por km (normalmente a
temperatura decresce com a altitude. Quando se mantém constante ou aumenta diz-se que há uma inversão térmica). A inversão provoca refracção, ou faz a difusão de alguns comprimentos de onda. Uma inversão térmica não é visível ao olho humano.
Existem dois tipos de inversão com interesse para a columbofilia. Uma é a inversão em altitude e outra à superfície.
Inversão em altitude. O ar desce e aquece adiabaticamente. Uma inversão pode ter 100 quilómetros ou mais na horizontal. A altura da inversão depende da diferença entre a temperatura em altitude e à superfície.
Quanto maior for a diferença térmica mais forte é a inversão. A inversão em altitude dissipa as nuvens, ar/oxigénio, humidade e os raios infravermelhos oriundos da superfície da terra para a alta atmosfera. Na figura(1) pode-se verificar ausência de inversão e na figura(2) inversão térmica em altitude. O ar fica como que aprisionado não havendo troca de elementos dentro da troposfera. É comum verificar-se este tipo de inversão nos meses de Junho, Julho e Agosto em situações que predomina o vento de Leste. Com dias de céu limpo e temperaturas elevadas ao olharmos para uma linha no horizonte verificamos que existe restrição à visibilidade. As partículas sólidas em suspensão na atmosfera não se dispersam e reduzem a visibilidade. A bruma (partículas sólidas em suspensão na atmosfera), poluição e o fumo resultante dos incêndios florestais acentuam este fenómeno. Numa inversão duradoura é normal o aumento dos níveis do Ozono troposférico para valores preocupantes para a saúde Pública e, por conseguinte para os restantes seres vivos.
As condições para haver uma inversão em altitude são:
- Subsidência nas camadas superiores da Troposfera;
- Temperatura elevada durante o dia. (normalmente a máxima é superior a 28/30ºC);
- Céu limpo ou pouco nublado;
- Vento fraco, predominante de Leste;
Inversão à superfície. A inversão térmica à superfície é provocada por um grande arrefecimento nocturno junto ao solo. O ar quente fica por cima do ar frio. Acontece frequentemente nos meses de Inverno e princípio da Primavera, com dias de céu limpo, podendo haver neblina ou nevoeiro matinal que se dissipa ao longo da manhã. Ou seja: quando os raios solares aquecem a superfície da Terra e a temperatura vence a inversão provocando uma diminuição da humidade relativa. Saliente-se que mesmo sem nevoeiro pode observar-se uma inversão térmica à superfície.
É comum verificar-se este tipo de inversão nos meses de Dezembro a Abril. Durante as manhãs há formação de nevoeiro de radiação, apresentando-se o céu limpo após a dissipação do nevoeiro ou Neblina matinal. Mesmo em dias em que não há nevoeiro, olhando as chaminés pode-se identificar a estabilidade/instabilidade do ar à superfície, como no caso da figura A,B e C.
Figura A não há inversão térmica à superfície: o fumo sobe na vertical;
Figura B o ar está indiferente. Ou seja, o fumo não sobe nem desce;
Figura C há inversão térmica à superfície. O fumo desce.
As condições para haver uma inversão à superfície são:
- Céu limpo durante a noite;
- Grande arrefecimento nocturno;
- Ausência de nuvens;
- Vento calmo ou fraco;
EFEITOS DAS INVERSÕES TÉRMICAS
A estabilidade do ar numa inversão é muito grande. Há naturalmente resistência ao movimento vertical do ar, e a existir, este tende a desaparecer rapidamente. A existência de uma inversão é muitas vezes assinalada pelos topos das nuvens, cuja expansão em sentido ascendente é impedida. Os topos expandem-se, portanto, na horizontal por baixo da base da camada de inversão. De forma idêntica, a bruma causada por fumo ou poeira, fica muitas vezes confinada abaixo de uma inversão térmica. Há também efeitos ópticos associados às inversões. A refracção ou curvatura de raios luminosos depende da temperatura e do conteúdo de vapor de água no ar. Na vizinhança das inversões a refracção pode ser anormal. Surgem miragens quando os raios luminosos sofrem refracção ao descer de uma camada de ar quente para outra mais fria. A transmissão de ondas de rádio de comprimento de onda inferiores a 10m é igualmente afectada pelas alterações da temperatura e do conteúdo de vapor de água das diferentes camadas de ar. As inversões de temperatura são particularmente importantes devido aos seus efeitos sobre vários comprimentos de onda e pelo efeito de tampão dos poluentes atmosféricos. Em situações de inversão durante muito tempo, verifica-se uma grande acumulação de poluentes, reduzindo drasticamente os raios UV que chegam à superfície da Terra.
ORIENTAÇÃO DO POMBO-CORREIO / “VISÃO OU DETECÇÃO” DO CAMPO MAGNÉTICO
É mundialmente aceite que o pombo-correio utiliza um compasso solar e um compasso magnético, utilizando-os simultaneamente (Wiltschko 1981).
É no entanto o compasso magnético que é utilizado primariamente, servindo, assim, de base à orientação do pombo-correio (Wiltschko 1996).
O final do voo (cerca de 50/60 Km) é normalmente efectuado à vista por reconhecimento de pontos previamente memorizados em voos ou treinos anteriores. O modo como o pombo-correio “sente” o campo magnético é ainda um mistério.
Experiência efectuadas por (Wiltschko and Wiltschko - 2001) demonstraram que as cores da banda do visível (arco Íris) mais próximas do ultravioleta e as do ultravioleta facilitam a orientação das aves e que a luz amarela ou avermelhada, suprime as suas capacidades de orientação (La navigation du pigeon voyageur – Christophe Arnoult -2006).
O campo magnético da Terra está sujeito a uma declinação, que está permanentemente em alteração (em valores desprezíveis para uma ordem de grandeza da vida útil do pombo 4 a 6 anos em competição). Existem no entanto factores que introduzem alterações no campo magnético por períodos que podem ir de minutos até a um dia ou dois, sensivelmente. Estes factores a que nos referimos são as tempestades electromagnéticas, oriundas de uma actividade solar anormal e aos tremores de terra (sismos).
Experiências efectuadas (Wiltschko – 2002) demostraram incontestavelmente que a percepção do campo magnético passa pela visão.
Michael Bookman (1977), em experiências efectuadas com pombos dentro de caixas, provou que sempre que existe variação do campo magnético, por uma anomalia, o pombo deita-se.
A MIGRAÇÕES – Base ancestral da orientação do Pombo-correio
(“Teoria” de Hubert Land & Steven Van Breemen)
A migração normal e cíclica de certas espécies que se deslocam para outras paragens à procura de melhores condições de ”habitat”, nos períodos em que o Inverno ou Verão se torna mais rigoroso coincide com os equinócios.
Este fenómeno é de grande importância para os columbófilos porque a época da migração é indicador do início das condições óptimas de navegação. Isto porque a capacidade de orientação do pombo-correio é uma evolução destas características ancestrais. O Sol está na posição denominada de equinócio da Primavera ou de Outono. As condições necessárias para todas as espécies navegarem estão presentes, incluindo os pombos.
Assim podem navegar (orientar-se) perfeitamente quando o Sol passa o Equinócio da Primavera (início desta estação). Entre o Equinócio da Primavera e o meio do Verão os elementos necessários à navegação aumentam para começarem a diminuir de intensidade do meio do Verão até ao Equinóceo de Outono. Este é o sinal da migração do final do Verão, encerrando, assim, a época da navegação. Este fenómeno ocorre há centenas de milhares de anos e nunca se alterou. A natureza controla todos estes elementos pela posição relativa do Sol e pelo tipo de nuvens que cobrem o céu. Quanto mais “alto” estiver o Sol mais fortes são as condições de navegação. Quanto mais nublado ou mais “poluído” o céu estiver menos elementos necessários à navegação chega à superfície da Terra.
Estes elementos requeridos para a navegação são os raios Ultravioletas (raios UV) – (Estudos efectuados pela NASA).
Façamos uma pequena aproximação e aprendizagem ao espectro electromagnético:
A luz proveniente do Sol é uma energia electromagnética. As várias bandas da energia, ou da radiação, são classificados de acordo com o seu comprimento de onda, medido em mícrones (1 mícron = 10-6 m). Quanto mais curto o comprimento de onda, mais energética a radiação. Por ordem energética crescente de comprimento de onda, as bandas principais da radiação são raios gama, raios X, radiação (UV) ultravioleta, luz visível (arco Íris), radiação (IR) infravermelha, microondas e ondas de rádio e radar. A maioria da energia do Sol está na banda da radiação visível e ultravioleta. (o espectro máximo de emissão é proporcional à temperatura (neste caso a temperatura do Sol é de cerca de 6000º Centígrados)). No caso dos raios UV há três categorias de radiação:
UV-a, entre 320 e 400 nm
UV-b, entre 280 e 320 nm
UV-c, entre 200 e 280 nm
Quanto mais curto o comprimento de onda, mais prejudicial é a radiação para os seres vivos.
UV-a é a menos prejudicial (comprimento de onda mais longo) da radiação. A radiação UV-b pode ser muito prejudicial. Felizmente, a maioria da radiação UV-b fica na camada de Ozono. Este tipo de raios UV é mais frequente entre o equinócio de Março e Setembro.
UV-c é o tipo mais energético e é consumido na totalidade na Ozonosfera.
Os raios do Sol são mais intensos no equador onde chegam à superfície da Terra quase em ângulo recto. Nas latitudes mais elevadas, os raios solares têm uma maior inclinação e a quantidade da radiação por unidade de área é menor. Além disso, durante os meses de Inverno, os raios solares têm um ângulo mais oblíquo que no Verão. Isto significa que toda a radiação solar viaja com trajecto mais longo através da atmosfera para alcançar a Terra, e é consequentemente menos intenso. As mudanças diárias no ângulo do Sol influenciam a quantidade de radiação UV que passa através da atmosfera. Porque quando o Sol é baixo no céu, os seus raios percorrem um maior espaço através da atmosfera e podem ser dispersados e absorvidos pelo vapor de água e outros componentes atmosféricos. Quanto mais baixo o Sol estiver, menor é a propagação dos raios UV ou mesmo os raios visíveis, nomeadamente as cores azuis e verdes. A quantidade maior de UV na Terra, diariamente, é cerca do meio-dia solar, em que o Sol está no seu ponto mais elevado. A cor amarela e vermelha é a de maior comprimento de onda da banda do visível e é aquela se propaga mais com Sol baixo de manhã, à tarde e durante o Inverno.
Outras influências na radiação UV incluem a altitude, a quantidade de nuvens e a poluição do ar. No alto de uma montanha o ar está mais fino e mais limpo (menos espessura de atmosfera). Temos, por certo, maior radiação UV lá do que em locais mais baixos. As nuvens podem ser responsáveis pela quantidade de radiação UV que chega à superfície da terra. Assim como as nuvens, o “smog” urbano (Nevoeiro, misturado com poluição atmosférica) pode reduzir a quantidade de radiação UV que chega à Terra.
(...) Os raios (UV-b) surgem com o Equinócio da primavera e desaparecem com o Equinócio do Outono. Estes raios são os responsáveis pela orientação de todas as espécies migratórias, incluindo os Pombos-correio. Sem estes raios (UV-b), elementos essenciais à navegação, o pombo não se consegue orientar, resultando necessariamente numa má navegação. Anos de estudo e experiência demonstraram, claramente que o regresso dos pombos é consistente com fortes raios UV num dia de prova (...) (Hubert Land & Steven Van Breemen).
Existem quatro níveis de raios UV que devemos considerar. Estes níveis podem ser catalogados da seguinte forma: Mau, Razoável, Excelente e Perigoso.
Os estudos, conjugando os raios UV com as Inversões Térmicas demonstraram o seguinte (Hubert Land & Steven Van Breemen):
Mau (UV-Nível: 0-3): Provas desastrosas ou más.
Razoável (UV-Nível: 3-5): Prova difícil, muitas percas.
Excelente (UV-Nível: 4-7.5): Prova excelente.
Perigoso (UV-Nível: +7.5): Prova difícil, percas elevadas, podendo mesmo haver desastre. Durante o período de nível UV perigoso, os raios cruzam o espectro electromagnético e “aproximam-se” dos raios infravermelhos. Esta aproximação provoca uma total confusão e desorientação dos pombos-correio.
A ORIENTAÇÃO DO POMBO-CORREIO E INVERSÃO TÉRMICA
EM ALTITUDE: (...) Como já foi referido quer o calor quer as inversões térmicas, só por si, podem ser muito nefastas para o voo do pombo-correio. Quando os pombos entram ou são soltos numa camada de inversão desorientam-se. Quanto maior for a inversão térmica maior dificuldade tem o pombo de se orientar. A inversão funciona como uma redoma de vidro em que o pombo, no seu interior, não tem acesso aos meios necessários à sua orientação, pelo que tende a seguir o rumo do vento até sair da camada de inversão. Este desvio pode chegar às centenas de quilómetros. Quanto mais novos forem os pombos maior será a distância de afastamento. A razão porque eles são bloqueados nesta camada é porque os raios ultravioletas necessários à sua navegação (UV-b) são dissipados na atmosfera. Dentro desta camada, os pombos voam alto à procura dos elementos necessários à navegação. Com esta situação e em dias quentes os raios infravermelhos junto ao solo causam desorientação e confusão nos pombos. As condições que demonstram a sua presença, de uma forma elementar, são: céu limpo ausência de vento e dia silencioso (não se ouvem os pássaros a cantar e os pombos mantêm-se quietos dentro dos cestos e não arrulham). Nas inversões em altitude, de final de campanha, é normal verificar-se que os pombos chegam nervosos, confusos, “ariscos”, parece até que vêm desorientados ou que têm visão dupla. Esta situação torna-se evidente quando tentam pousar num fio e falham. É comum, os columbófilos, dizerem que eles vêm nervosos que ao pousar viram as costas para o pombal e não deixam o dono aproximar-se dele (...). (Hubert Land & Steven Van Breemen)
À SUPERFÍCIE: Nos treinos, os pombos novos, com pouca experiência, é vulgar perdê-los quando voam debaixo de uma inversão deste tipo. As inversões à superfície, que acontecem na época dos primeiros treinos, podem ser minimizadas soltando os pombos com Sol alto, ou seja: depois das 11/12 horas da manhã. Isto porque já existem mais elementos necessários à navegação e o aumento natural da temperatura com o avançar do dia “faz quebrar” a inversão.
Esta situação ocorre, normalmente em Dezembro, Janeiro e Fevereiro aquando os primeiros treinos, em que temos temperaturas mínimas inferiores a 5ºC e dias de céu limpo.
O ESTADO DE ESPIRITO DO POMBO
O estado de espírito do pombo pode ser relacionado com a sua saúde ou o seu momento de forma. No entanto, o que nos foi dado a observar e aquele a que nos devemos cingir é o seu estado de espírito momentos antes da largada. Uma observação cuidadosa e meticulosa ao comportamento e vivacidade do pombo dentro dos cestos no período que antecede a largada é de crucial importância, tornando-se mesmo num factor impeditivo ou não do momento da solta: por vezes os pombos parecem apáticos, tristes ou “murchos” às 07h e com grande vivacidade às 09h ou mesmo 10h da manhã. O seu estado de espirito depende da sua capacidade ou incapacidade de se orientar. Em suma da falta de elementos necessários à sua navegação. E isto porque se se respeitarem as horas de descanso antes da solta, eles com o início do dia começam a dar sinais de uma primeira orientação, demonstrando-o através do seu estado de espirito: arrulham, verificando-se grande desassossego dentro das caixas como se estivessem a tentar precipitar a solta. Daí que em certos dias e em determinadas condições é vulgar ouvir dizer: “nem uma volta deram, saíram direitinhos”.
SOLTAR POMBOS EM DIAS DE CÉU LIMPO
A tendência para facilitar é comum com dias de céu limpo. Normalmente só nos preocupamos com a chuva, nevoeiro ou trovoada. Mas se fizermos uma breve reflexão aos acidentes/incidentes em columbofilia verificamos que os acidentes ou desastres com vários distritos em simultâneo, aconteceram quando todos menos esperavam: ou com dias de céu limpo ou dias cujo céu não era ameaçador
Assim deve-se observar as seguintes perguntas antes de cada treino/prova com céu limpo:
1. Os pombos têm asa suficiente para esta distância? – Só se deve exigir distâncias proporcionais ao treino que lhes foi dado.
2. Levo os pombos bem condicionados e oxigenados? – A superlotação e a falta de renovação de ar provocam “stress”, problemas respiratórios e morte.
3. Quanto tempo de descanso devo dar após a viagem? – É norma o descanso de 1 hora por cada 100 Km.
4. Está alguém a soltar na mesma área? – Evita arrastamentos.
5. Qual é a temperatura mínima e máxima? – Evita problemas com inversões térmicas, reabastecimento de água durante o percurso e onda de calor.
6. Qual é a temperatura actual? – É relevante durante os primeiros treinos com inversões térmicas de superfície e no final da campanha com situações de onda de calor.
7. Os pombos foram devidamente abeberados/têm sede? – Evita problemas de abeberamento imediatamente após a solta com água contaminada ou salgada.
8. Há inversão térmica? – Ver durante o transporte ou no local o fumo que sai das chaminés (Inversão à superfície) ou a existência de Fumo ou Bruma (Inversão em altitude)
9. Qual a direcção e intensidade do vento? – Situações de vento favorável minimizam as situações de inversão térmica.
10. Os pombos estão alegres (arrulham)? – A “alegria” dentro das caixas indica vontade de sair e que existem condições de orientação.
11. A atmosfera está silenciosa? - O silêncio das aves indica que existe inversão térmica ou variação no campo magnético. Não existem condições de orientação.
Depois de responder a estas perguntas por certo será um bom treino/prova. Porque isso de se dizer que só regressam os bons não é verdade. Pois trata-se de uma aprendizagem, que como nós, alguns tiveram mais ou menos dificuldade na escola primária. E o ter sido aluno excelente no primeiro ciclo não implica ter uma vida de sucesso. Como exemplo trago o da “Lisboa” uma grande “senhora” do Clube Columbófilo Asas do Entroncamento, pertencente ao amigo Zé Carvalho que no primeiro ano, em que concursou, foi buscá-la cinco vezes aos arredores de Lisboa e, nos anos seguintes, ganhou quase todas as competições em que entrou.
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