Pensar em Columbofilia ... |
17/04/2016 |
Pensar em Columbofilia …
José F. Coxo – Évora
Estamos em plena campanha desportiva e como tal,, sendo eu um praticante de longa data resolvi “pensar um pouco em voz alta”em dois temas que merecem alguma reflexão e acima de tudo ponderação . São apenas pontos de vista mas, que tem quer ,um quer outro, alguma influência nos nossos pombos e enquanto no primeiro caso há uma enorme repercussão em todo o nosso desporto, no segundo caso que abordarei diz apenas respeito ao meu distrito.
Em 25 de Janeiro de 2016 foi publicado neste jornal pelo Dr. Ryon um artigo que me parece de enorme influência na organização das nossas campanhas desportivas e na condução das soltas. Foi um artigo que eu denomino de brilhante , demonstrativo de um país organizado e com uma columbofilia desenvolvida e acima de tudo, de uma enorme lucidez e sabedoria do seu ilustre escriba. É uma pessoa que alia a vertente veterinária ao conhecimento da realidade columbófila que nos rodeia e acima de tudo uma autêntica enciclopédia columbófila. Muitas vezes dialogámos e sei perfeitamente, o que estou a afirmar.
Como o artigo passou meio despercebido porque, estávamos em plena Exposição Nacional, e ainda não pensávamos bem na campanha, resolvi pedir autorização ao seu autor para me servir neste jornal das suas palavras e tentar colocá-las de novo em papel porque o tempo passa e caminhamos para a época crítica a que as mesmas se referem. Essa autorização foi me dada e por isso me aventurei.
Todos sabemos que a Holanda encontra-se em termos geográficos na área dos climas temperados marítimos. As características deste tipo de clima estão bem definidas : invernos suaves, verões também suaves, amplitudes térmicas reduzidas, chuva principalmente no Outono e Inverno mas poderá cair durante todo o ano. A nível da temperatura no inverno as médias mensais situam-se nos 5º e no Verão as médias podem oscilar entre os 15/ 18º.
O nosso país apesar de relativamente perto, tem esta componente marítima apenas na faixa Noroeste principalmente junto ao litoral norte mas, nesta área onde vivo e em suma todo, o interior e sul apresentam, as características do clima temperado mediterrâneo . Toda a área onde fazemos a campanha está englobada nestas mesmas influências e quanto mais para sul mais marcantes elas nos aparecem. Toda esta “deriva”dos dois últimos anos de soltas a leste com laivos de sudeste ( que eu não entendo o seu porquê) contribuem para que a partir de Maio entremos nas soltas em zonas, de “alto risco “ e sempre , sempre na área mais quente da Península.
O clima temperado mediterrâneo é marcado por alguma precipitação nos meses de outono e inverno mas muito mais reduzida que na Holanda e quanto mais caminharmos para o sul e interior da península, mais marcante será essa secura. A nível das temperaturas temos os invernos com médias mensais de cerca de 10º e pelo contrário no Verão as médias são sempre superiores a 20º podendo atingir médias nos 30º ( o que já significa um enorme calor porque para essa média mensal, as temperaturas em muitos dias rondam os 40º).
Com o descrever destas duas panorâmicas ( sei perfeitamente que há aqui algumas interferências( ou factores que podem atenuar ou até sobrecarregar mas, não quero aborrecer tanto os leitores com a geografia), vê-se perfeitamente como é a organização de um país. A Holanda que não tem temperaturas muito elevadas realiza estudos do comportamento dos pombos perante vários cenários de temperatura e o desgaste sofrido pelos pombos com o calor nos camions. Pelo contrário nós que sofremos na pele durante dois meses desportivos essa secura, nunca fizemos nada para ter dados sobre esta temática. Não culpo ninguém é apenas a nossa maneira de ser que está enraizada nos nossos genes desde a nossa formação como país e em todo o nosso percurso histórico. ( deixemos as coisas acontecer que depois logo nos desenrascamos ….)
A federação Holandesa desde há muito que trabalha esta temática em colaboração com diversas universidades ,o que, ainda mais os credibiliza. Mas nós podemos e devemos olhar os dados que eles nos apresentam com a finalidade da protecção dos nossos pombos.
Segundo o Dr. Ryon “ uma destas teses trabalhadas foi o de sujeitar,quatro grupos de vinte pombos cada, a diversas temperaturas e presos durante a noite numa denominada câmara. Assim:
- o 1º grupo de pombos esteve sempre ( na tal câmara) a temperaturas de 22ºC
- o 2º grupo esteve sujeito a temperaturas de 28º C
-o 3º grupo sujeitou-se a 32ºC
-o 4º grupo esteve a 36ºC
Neste cenário os pombos não tinham acesso a qualquer pinga de água. Na manhã seguinte os pombos foram soltos para percorrer uma distância compreendida entre os 150/170 Km. ( Atenção estamos a falar em 150/ 170 Km , não em 400, 600, 700 Km…)
Como tinham estado toda a noite presos e sujeitos a diversas temperaturas, antes, de serem soltos foram pesados e como tal os pombos do 4º grupo ( sujeitos a temperatura muito alta) tinham perdido de 10 a 12% do seu peso. Pelo contrário os pombos sujeitos a temperaturas mais baixas tinham perdido percentagens muito inferiores.
Depois do voo dos 150/170 Km tiraram-se várias conclusões :
- os pombos que tinham estado na câmara com maiores temperaturas eram agora os que tinham perdido menos peso com o voo ( de 0,4 a 3.8%). Em situação contrário tínhamos agora a perder mais peso os que tinham estado sujeitos a menores temperaturas.
- se ficássemos apenas e só por aqui estávamos com um dilema que parecia quase impossível de explicar. Mas há outros estudos que ajudaram porque, sabia-se, que quando um pombo perde 15% do seu peso ele tem de parar para beber.
- vários pombos dos diversos grupos fizeram o que acabei de referir e chegaram ao, local de destino com um peso superior ao do momento da solta. Assim tivemos 4 pombos do grupo II, nove pombos do grupo III, e todos os vinte pombos do grupo IV. ( este exemplo é sintomático para quem o quiser ler e perceber ).
- Pelo contrário nenhum pombo do primeiro grupo ( sujeito a 22ºC) parou para beber!
- A nível de resultados já estamos a ver que os que obtiveram piores prestações foram, os do grupo IV. ( sujeitos a 36º)
Tendo por base este estudo a Federação Holandesa fez sair normativos no sentido de que todos os camions, quando registassem temperaturas dentro das galeras a atingir os 28ºC tinham de parar e fazer com que as mesmas diminuíssem porque, estavam a atingir o risco vermelho, criando mecanismos de desidratação enormes nos pombos.
Por outras palavras quantas viagens pelo sul de Espanha não fazemos nós com este risco vermelho ?
Quantas soltas não efectuamos em que todo o percurso apresenta 2/3 ou mais com risco vermelho ?
Não podemos nem devemos encolher apenas os ombros e esperar que o São Pedro nos valha. Temos de ter cuidados extremos porque ,as associações de defesa dos animais são em maior número e tem cada vez mais peso, se por acaso algum dia souberem de determinadas soltas que fazemos sabendo de antemão que estamos a condenar centenas de pombos o que não farão? Ou o que não poderão fazer para nos condicinonar ?
Obrigado Dr, Ryon espero que o seu texto seja colocado em todos os camions que transportam os pombos para que, motoristas e delegados das soltas possam ler as suas palavras.
O outro assunto que gostava de abordar prende-se com a realização dos concursos de Meio fundo do meu distrito em Valladolid. Na minha página pessoal afirmei que era, na minha óptica , um local de solta que estava desenraízado de toda a campanha e do qual os pombos tinham dificuldades em sair.
Diversos columbófilos questionaram-me ( com o máximo de respeito) do porquê dessa minha afirmação. Respondi-lhe que um dia neste jornal tentava expôr o meu ponto de vista.
Sou columbófilo desde 1968. Tenho assistido a todo o tipo de soltas e chego á conclusão que todos os locais podem ser bons para soltar pombos, tal como todos, também podem ser maus. No meu distrito sempre os calendários foram debatidos e aprovados em Assembleia Geral . Este facto é demonstrativo de democracia e as decisões tem de ser respeitadas. Nunca questionei nem questiono essas decisões. Muitas vezes mesmo como dirigente as tive de respeitar e cumprir mesmo que delas discordasse.
Lembro apenas que foi no meu consulado directivo ( mas sempre em Assembleia Geral) que virámos as soltas de noroeste do país para nordeste e, que, anos mais tarde , com o acordo de Schengem ( livre circulação na Europa comunitária de pessoas , animais e bens, que começa agora a estar esquecido pelos nuestros hermanos...) rodámos toda a campanha para Espanha com duas linhas a de Ciudad Real / Valencia no inicio da campanha ( aproveitar melhores condições meteorológicas) e na segunda metade a linha Madrid/ Alcoleia/ Saragoça ( temperaturas muito mais baixas que na linha anterior) e para tentar dar equilíbrios nas entradas dos pombos a nível distrital ( assim mesmo tinhamos dificuldades em criar equilibrios quanto mais agora e apenas só com uma linha de solta... ) e também porque as vias de comunicação eram e são muito melhores . ( mas este factor hoje apesar de continuar a verificar-se já não tem qualquer significado por isso mesmo vamos soltando pombos de meio fundo ás horas a que os mesmos deviam chegar ao distrito...)
Sei perfeitamente que por mais que defendamos o leste ( mas não como está a ser, isto na minha opinião porque, só beneficia uns... )com as últimas medidas dos espanhóis mais tarde ou mais cedo temos de alterar posturas e procedimentos. Talvez por isso tenha aparecido o Valladolid.
Voltando aos locais bons e maus, todos sabemos ,quais são os que oferecem melhores hipótese de sucesso mas tudo depende das condições meteorológicas á partida e no percurso. Alguns columbófilos , pelos anos de mil novecentos e oitenta, devem ainda lembrar-se de uma solta em Almunia de D. Godina ( um concurso de fundo na linha de Saragoça) . Um local de depressão enorme, junto ao rio Jalon que causava imensa apreensão para a saída a subir , num curto espaço de terreno … mas os pombos foram soltos e com ventos de nordeste chegaram pelas 13 horas da tarde…( isto quando só realizávamos o fundo de Espanha). De há dois anos a esta parte que esta “ boleia “ do vento de nordeste ( não temos soltas desta área)acabou e com esta falta de ajuda nunca mais tivemos médias em provas grandes, deste tipo ou semelhantes .
Valladolid encontra-se na denominada sub-meseta norte, no planalto de Castela a Velha, fica a leste de Bragança donde dista cerca de 160 Km e a nordeste de Vilar Formoso donde dista 200 km. Tem na parte norte um extenso planalto que se estende por cerca de 120 km até aos Montes Cantábricos nos quais se localizam os denominados Picos da Europa com vários pontos com altitudes superiores a 2500 metros . Há já aqui uma situação de abrigo meteorológico que origina um denominado microclima.
Por outro lado tem a sul também um planalto que termina com o aparecimento ( a cerca de 100 Km) da cordilheira Central de Espanha ( o maior agrupamento montanhoso da península) que se prolonga até Portugal pela Serra da Estrela. Nesta cordilheira temos diversos picos, Serra de Ávila ( 1728 m , uma das chegadas épicas da Vuelta onde Chris Frome há 2/3 anos deu um festival de bem subir), serra de Guadarrama (2428 m), serra de Candelário ( 2425m)e muitas outras de altitudes superiores á nossa serra da estrela.
Mas o grande problema deste agrupamento montanhoso é que ele se estende no sentido SW/ NE numa área superior a 200 Km de extensão com cerca de 50/ 60 km de largura . Estende-se desde a serra da Malcata em Portugal até Riaza. Há aqui uma massa montanhosa muito grande em termos de volumetria.
A saída dos pombos terá de ser sempre para sul ou sudoeste. Quando os ventos estão do quadrante Norte e com céu limpo os pombos ultrapassam tudo e podem facilmente atingir médias de 100Km/h ou até superior. O problema coloca-se quando os ventos sopram de oeste ou sudoeste e que originam bancos de nevoeiro no tal agrupamento montanhoso, chegando até ás áreas de Valladolid ( há um ditado espanhol para esta cidade que diz “ temos 9 meses de inverno e 3 de inferno” ). Dificilmente os pombos sobem esses picos e só lhe resta um caminho rodando contra o vento e entrando por Salamanca e Vilar Formoso ( por Espanha a saída contornando essas montanhas ainda era muito pior ( mais desgastante) e dificilmente chegaria algum pombo nesse dia) . A questão é que esta inflexão custa aos pombos fazer mais de 200 km , mais desgaste, mais cansaço, maior número de perdas e chegadas a conta gotas. Por outras palavras quando os pombos eram para fazerem 430 Km tem de percorrer mais de 600 Km com o desgaste desse esforço e nalguns casos com a consequente desorientação . Era preferível fazer Bragança ou algo semelhante.
Foi apenas e só isto que aconteceu há 2, 3 anos no segundo concurso aqui realizado. ( É apenas e só a minha mera opinião e faço votos para que este ano nas única vez que lá vamos o vento esteja do quadrante norte ).
( Publicado no Jornal Mundo Columbófilo do dia 18/ 4/2016)
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