Pensar em Columbofilia |
06/05/2015 |
O Pensar na Columbofilia
José F. Coxo – Arraiolos
Durante alguns anos afastado deste jornal onde fui sempre muito bem tratado, acarinhado e acima de tudo estimulado por toda esta família ( proprietária do mesmo) que se tem dedicado a este nosso desporto. Resolvi agora e por uma questão que se prende com o ter mais tempo “livre “ e porque, me parece, uma altura de necessidade repensar ,alguns temas deste desporto que praticamos, em voz “alta” venho, como tal tentar , como sempre , passar a escrito ideias, pensamentos , posturas, que todos temos mas, que alguns não se aventuram a torná-las visíveis a luz do dia.
Não tenho outra e qualquer pretensão que não seja a de pensar ou repensar em público e que estas palavras possam contribuir para que columbófilos, dirigentes, e outras estruturas se possam ver ou não nalgumas dessas temáticas e que se criem mecanismos que possam ser contributivos para melhores práticas e posturas ou procedimentos. Nada mais tenho em mente do que apenas e só tornar este desporto , que pratico desde 1968, em algo mais equilibrado participativo e igualitário.
Hoje um dos grandes problemas que enfrentamos é a perda de praticantes e a ausência de políticas que possam atenuar esse facto extremamente negativo que nos está afectar e que quase não damos por ele. Não temos, não teremos nos próximos anos aquilo em que em linguagem demográfica se denomina como” Renovação de Gerações “. Neste cenário qualquer prática desportiva está altamente condicionada em termos de futuro.
Todos nos lembramos dos anos míticos em que dava gosto ouvirmos e dizermos que eram 18.000 praticantes. Hoje e com números de 2014 somos apenas 10.616. Por curiosidade o proprietário deste jornal “folheou” o passado e encontrou referencias de que em 1963 já éramos 12.136 praticantes . Logo aqui já começamos a ver o que não temos tido capacidade para ver, ou seja já estamos numa situação pior que a dos anos sessenta em número de columbófilos. Só não estamos em crise , porque hoje e graças ao movimento dos 25 de Abril, temos um nível de vida superior ao desses anos e temos estruturas criadas nos anos 90 e do inicio deste século, que nos tem permitido suportar estas diminuições.
Mostro-vos um quadro que retirei dos relatórios fornecidos pela F.P.C. com o número de columbófilos em 2006 e 2014 com as respectivas diminuições em número absoluto e em valor percentual.
2006 2014 Diminuição %
Aveiro 2685 2016 -669 24.9
Beja 621 418 -203 32.6
Braga 943 727 -216 22.9
Coimbra 617 327 -290 47.0
Évora 730 441 -289 39.5
Faro 1074 719 -355 33.0
Leiria 621 386 -235 37.8
Lisboa 1756 1210 -546 31.1
Portalegre 348 209 -139 39.9
Porto 3105 2334 -771 24.8
Santarém 1204 807 -397 32.9
Setúbal 734 466 -268 36.5
V. Castelo 496 331 -165 33.2
Viseu * 165 78 -87 52.7
Total 1529 10696
Uma analise já, fria e objectiva :
- Todos os distritos apresentam perdas de praticantes bastante significativas
- Os distritos onde a diminuição foi menor foram Braga (22.9% ), Porto ( 24.8%), Aveiro ( 24,9%).
- Com diminuições entre 30 a 35% temos ,Lisboa , Beja, Faro, Santarém e V. Castelo.
- Com um pior cenário de diminuição de columbófilos temos Setúbal ( 36.5),Leiria (37.8). Évora (39.5), Portalegre ( 39.9). Numa posição bastante negra aparecem-nos Coimbra a perder 47% e Viseu que num curto espaço de tempo ( de 2007 a 2014) perde 52.7%.
Uma realidade que já aqui constatamos é que são alguns distritos , Braga, Porto e Aveiro, todos do norte do país, onde se verifica grande crescimento urbanístico e onde nos parece que há mais dificuldade em implementar pombais que pelo contrário registam menores perdas de praticantes. Talvez o sistema de propriedade das terras (mini-fúndio) em pequenos lotes de terreno e com algum ruralidade há mistura tenha ajudado nesta situação .Talvez também o serem áreas de dinâmica e desenvolvimento industrial tenha preservado mais columbófilos
Lisboa é aqui excepção ( paga mesmo pela urbanização) porque figura no grupo dos 30 aos 35 %, tendo por companhia Beja, Faro, Santarém e Viana do Castelo.
Pelo contrário alguns distritos onde os fenómenos da ruralidade estão mais marcantes ( Évora , Portalegre e Leiria ) apresentam-nos diminuições de quase 40 % de praticantes mas, nestes ,principalmente nos dois primeiros a diminuição dos empregos e do fraco nível de vida na grande globalidade sobrepõem-se a tudo.
Esta é uma leitura simples e simplista. Qualquer análise deve sempre ir um pouco mais além. É certo é que esta é feita pela minha pessoa e como tal reflecte sempre o meu ponto de vista, as minhas vivências , etc.
A questão premente é : o porquê de tudo isto ? ( são mesmo números muito elevados)
Várias vezes referi neste jornal que tenho dificuldades no encontrar de soluções para atenuar ou travar todo este fenómeno. Se isso fosse fácil já concerteza que estava resolvido. O travar penso que não o vamos conseguir . O atenuar ou o alterar de posturas, para encontrar outras soluções, já me parece mais fácil. Mas terá de ser sempre um trabalho em colaboração de columbófilos, dirigentes, estruturas associativas e federativas.
Todos sabemos que o “boom” que vivemos nos anos 90 e nos princípios deste século não se irá repetir nos próximos anos. Teremos de viver como que temos mas teremos sim de criar mecanismos para atenuar esta perda de praticantes e acima de tudo com politicas que tem de começar pela manutenção dos que já cá estão. Os jovens não vêm para este desporto e, quando cá chegam, ficam pouco tempo.
Aponto de seguida vários aspectos que na minha óptica nos conduziram para onde vamos.
Assim:
-envelhecimento de praticantes / não renovação de gerações
- a introdução das entradas electrónicas e as suas consequências positivas e negativas
- a crise económica em que nos mergulharam pelos anos de 2008/09
- o não termos tido politicas desportivas adequadas e consentâneas com a realidade de cada região
- o não termos tido posturas a nível económico para atenuar alguns embates
Sei perfeitamente que fui dirigente e tenho aqui uma quota elevada de responsabilidade no meu distrito por não ver o que estava a acontecer e ainda mais preocupante por nada ter feito para o alterar. Gerimos o dia a dia e, este é um erro crasso e com custos elevados. O futuro joga-se todos os dias mas tem de ser gerido a longo prazo. Não enjeito responsabilidades, principalmente porque deveria ter agido quando estávamos numa época de”vacas gordas” .
Foi um erro não só meu mas de todos nós ( os dirigentes temos mais culpas), errámos na análise, errámos nas politicas, errámos porque raramente planificamos a longo prazo ou quando o tentamos fazer as soluções do dia a dia ocupam-nos e tornam-se mais preocupantes.
- Todos sabíamos e sabemos que tínhamos uma estrutura geracional envelhecida , com idades avançadas, e neste caso pela lei da vidas uns foram -se mesmo embora outros ,por condições físicas ( falta delas) tiveram que abandonar este desporto. Até por volta dos anos 90 tinhamos tido sempre uma renovação de gerações que “ abafou” esta queda e pelo contrário estávamos em anos de expansão. Há depois um “iato” e aqui sim começou para nosso mal, a queda no número de praticantes. Falta-nos a geração que devia agora ser em maior número e que teria entre os 30/ 40 anos.
- a introdução de entradas eletrónicas que foi vista como a maravilha das maravilhas teve também algum impacto no afastamento de columbófilos que não queriam nem podiam enfrentar desportivamente esses registos com os seus relógios. Estas entradas foram globalmente positivas para ajudar nos trabalhos de direcção mas tiveram a contrapartida de obrigar alguns a afastar-se dos pombos. Algumas colectividades reagiram e muito bem , atenuando conforme puderam essas diferenças mas, foram no contexto nacional uma excepção.
- para nos ajudar apareceu e teve enorme repercussão nos nossos praticantes a denominada crise económica em que mergulharam este país pelos anos de 2008/09 , primeiro por uma bolha imobiliária nos Estados Unidos e depois mais tarde por uma crise da qual não conseguimos sair ( está agora atenuada porque há eleições), mas também donde não há responsáveis mas o que é certo é que muitos não tiveram nem, poderiam ter, condições financeiras para suportar muitos pombos ou até poucos ( mas eu penso que a grande maioria tinha sempre muitos, se os não tivesse pouco voava).
- politicas desportivas penalizantes . Não tenhamos duvidas (falo pela realidade que conheço ) , temos campanhas estruturadas sem ligação ao meio onde estamos, aos columbófilos que temos, a uma tentativa de fazer equilíbrios para que muitos se mantenham nas disputas mais tempo e que não desistam á primeira dificuldade, e que haja cada vez mais, do mais pequeno meio local, até, aos altos patamares distritais, disputas mais acesas. Sei que fui dirigente e muitas vezes mesmo pensando nesta realidade ,somos ultrapassados por factores inerentes á prática columbófila e nada, mesmo nada ,conseguimos fazer para a alterar.
Estamos a ir longe demais e esquecemos dos que ficam pelo caminho .
Esticámos muito a corda, e neste esticar também contribuímos para o afastamento de diversos columbófilos. Vamos agora encetar os tais limites, não tenho opinião abalizada sobre os mesmos e as suas consequências. Por outro lado gostava de ver algum estudo que reflectisse as consequências dos mesmos, nas estruturas associativas mas, concerteza que isso deve ter sido feito ou então o seu peso é nulo ou diminuto.
Em suma estamos numa situação melindrosa. Vamos continuar a perder columbófilos. Não conseguimos captar jovens. Resta-nos manter os que temos mas temo pelo futuro e nestes distritos do interior que vejo com perdas já a rondar os 40 %, a preocupação será muito maior e terá de ter efeitos perniciosos a prazo mais ou menos curto em todos os praticantes .
Se há hoje temas a debater e a tratar no âmbito nacional , não tenhamos duvidas este terá de ser um deles. É certo que tem de ser a nível local o encontrar, consoante a realidade , das soluções mais adequadas.
Publicado no Mundo Columbófilo dia 4 de Maio 2015
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