Alterações Climáticas e a prática da columbofilia
Ao teclar este artigo para o jornal, “Portugal Columbófilo” vem-me à mente, as palavras sábias do meu professor de Meteorologia Sinóptica, Anthímio de Azevedo, que no final da década de 80 já dizia: Cada vez mais os fenómenos meteorológicos significativos serão mais curtos e mais violentos, na busca incessante do equilíbrio térmico do nosso planeta. Ao ouvir esta frase, à época, não acreditava, mas deixava-me atento e expectante. Hoje perante tudo o que se tem passado durante este século, lembro-me constantemente dos seus ensinamentos e preocupações com as variações do clima.
Todos nós, sem exceção, estamos a ser afetados pelas variações climáticas: cidadãos comuns, empresas, governos, economias, desporto e, mais importante de todos, a natureza.
Mudanças climáticas sempre foram registadas ao longo dos milhares de anos que o planeta Terra tem. O problema prende-se com o facto de, no último século, o ritmo entre estas variações climáticas ter sofrido uma forte aceleração e a tendência é que tome proporções ainda mais caóticas se não forem tomadas medidas urgentes.
A ocorrência de ondas de calor e secas são fenómenos cada vez mais frequentes, e os consequentes impactes na atividade humana representam uma ameaça real.
Define-se Clima como o conjunto flutuante das condições atmosféricas, caracterizado pelos estados e evoluções do tempo numa determinada área. Poder-se-á dizer também que o Clima é o Tempo considerado num período grande, vários anos, séculos. O período “normal” considerado pela OMM é de 30 anos. Os fatores que afetam a composição da atmosfera alteram as condições do tempo e por sua vez do Clima.
É de conhecimento geral que o clima da Terra tem variado ao longo da sua história. Esta variação deveu-se fundamentalmente a causas naturais, sendo elas períodos de grande atividade vulcânica, mudanças na energia emitida pelo Sol e ainda variações na órbitra e na inclinação do eixo terrestre. Existem várias teorias das variações do Clima, no entanto aquela que reúne maior consenso é a teoria da Variação dos Parâmetros Astronómicos da Terra, que Milankovitch enunciou. Milankovich obteve os seus valores por via puramente matemática, baseando-se em Hiparco, Kepler, Leverrier, e Croll, e confirmados por cientistas Americanos através da análise de sedimentos do fundo do oceano Índico. Como é sabido da formação básica a Terra tem um movimento de rotação à volta do seu eixo com um período de 24 horas e um movimento de translação em volta do Sol, com um período de 365 dias.
O eixo da Terra não é perpendicular ao plano da eclíptica.
Atualmente, a inclinação do eixo da Terra em relação ao plano da eclíptica é de 23,5º. As estações do ano são consequentemente devidas à inclinação do eixo de rotação da Terra, em relação ao plano da eclíptica. O eixo da Terra está animado de movimento de rotação retrógrado em torno da vertical da eclíptica. Assim o eixo da Terra descreve uma superfície cónica no espaço, com uma abertura de 23º em cada 22 000 anos. Este movimento chama-se precessão, porque faz com que os Equinócios se antecipem, de ano para ano, muitíssimo lentamente. O eixo de rotação apresenta ligeiras alterações à volta da posição média, segundo Croll (1860) a superfície cónica descrita é ondulada; a excentricidade do eixo da Terra sofre uma alteração periódica. Assim, devido a este facto, a obliquidade da eclíptica pode variar de 22º a 25º com um período de oscilação de 41 000 anos.
O eixo da Terra não aponta sempre para o mesmo ponto da abóbada celeste (Hiparco 120 a.C.). Atualmente aponta para a estrela Polar da Ursa Menor, há 4000 anos o eixo apontava para um ponto intermédio, entre a Ursa Maior e a Ursa Menor; e há 6000 anos apontava para a última estrela da Ursa Maior.
A elipse que a Terra descreve no movimento à volta do sol (Kepler, 1609), não é sempre a mesma, nem tem a mesma configuração geométrica (Leverrier, 1814). A trajetória da Terra pode variar entre uma elipse de grande excentricidade e uma trajetória quase circular.
A excentricidade sofre uma variação periódica, oscilando entre um valor quase nulo e um valor elevado em 100 000 anos. Atualmente a excentricidade é pequena.
Em 1920, Milankovicth, publicou a teoria astronómica para explicar a formação das épocas glaciarias (idades do gelo). Considerou como fatores determinantes, além da variação da excentricidade da trajetória, com um período de 100 000 anos, e da precessão axial com um período de 22 000 anos, a variação da obliquidade da eclíptica. Como referiu, esta sofre uma oscilação entre 22º e 25º, com um período de 41 000 anos. Verifica-se assim, que a Terra tem períodos climáticos extremamente longos, se comparados com a esperança de vida de um ser humano.
No entanto, pequenas alterações climáticas são do conhecimento das gerações atuais, pela transmissão dos seus antepassados recentes ou pela leitura cuidadosa de escritores descricionistas. É fácil encontrar livros que relatam feiras e concursos de patinagem artística sobre o Tamisa no século XVIII, ou mesmo no nosso país, a venda de gelo ambulante em Lisboa nos meses de Verão do final do século XIX e início do século XX. Este gelo era oriundo da Serra de Montejunto, onde ainda hoje existem marcas dos lugares de recolha e acondicionamento do gelo. Se não houvesse registos ou descrições, seria utópico idealizar tal situação, pois se não é normal nevar nesta serra, quanto mais haver gelo no Verão.
As alterações climáticas pelas quais estamos a passar, ao que parece e é tese mais comum dos atuais cientistas, estão na nossa conduta cultural e não na variação das posições do nosso planeta ou da Obliquidade do seu eixo.
Recentemente, o Homem assumiu um papel preponderante nesta variação do clima do planeta com a emissão de gases de efeito de estufa devido fundamentalmente à evolução da população e suas necessidades energéticas (Freitas et al, 2007; Santos, 2005).
Efetivamente, neste Século, a temperatura tem aumentado ligeiramente e as condições atmosféricas têm-se alterado lentamente. A temperatura, no século passado, registou um acréscimo de 0,76ºC. A previsão é que, até final do Século XXI, a temperatura média suba entre 1,1 a 6,4ºC, dependendo das medidas que forem tomadas, à escala global, para prevenir esse aquecimento.
O trabalho realizado por investigadores das universidades de Brest, em França, e Southampton, no Reino Unido, e pelo Instituto Real Holandês de Meteorologia, em 2016, “mostra que, a nível geral, o período 2018-2022 pode ser ainda mais quente que o esperado com base no aquecimento global” atualmente aceite. O período até 2022 poderá registar temperaturas ainda mais elevadas do que o esperado, com anos “anormalmente quentes”, segundo um estudo baseado num novo método de previsão.
Pelo que se constatou este ano (2018) nos meses de agosto e setembro, poder-se-á ter em conta este estudo, e levá-lo muito a sério para os próximos anos. Assim, tendo sempre em memória de que os últimos anos a temperatura nos meses de maio e junho têm vido a ser superiores às normais climatológicas (1971-2000) e mesmos as normais climatológicas de (1981-2010 - provisórias), com exceção deste ano em que junho esteve dentro dos parâmetros normais, apesar de ter apresentado uma onda de calor na região norte entre o dia 15 e 20 e o mês de julho ter tido temperaturas e precipitação ligeiramente mais baixas que o normal. Este ano constatou-se que em agosto se verificou grande persistência de valores muito altos da temperatura média do ar, superiores a 30°C, valores de temperatura máxima superiores a 40°C (dias 2 a 4) e valores da temperatura mínima superiores a 20°C; O dia 4 de agosto foi o dia mais quente do século XXI, em Portugal continental e dos 5 dias mais quentes deste século, 4 verificaram-se nos primeiros dias de agosto de 2018. O mês de setembro foi muito quente e seco, tendo mesmo sido o mês mais quente desde que há registos.
O valor médio da temperatura média do ar foi de 23°C, +2.78 °C acima do valor normal. O valor médio da temperatura máxima do ar, 30.21°C foi o mais alto desde 1931, com uma anomalia de +3.92°C. O valor da temperatura mínima, 15.79°C, 1.63°C acima do normal, valor mais alto dos últimos 30 anos e o 4º valor mais alto desde 1931. Está-se a constatar um aumento térmico com períodos muito quentes e/ou com ondas de calor que variam entre junho e setembro, sendo de esperar, com base nos diversos estudos, subidas térmicas rápidas, em períodos de tempo curtos, no período considerado.
As alterações climáticas estão a ser tão rápidas que estão a pôr em causa a capacidade de adaptação de muitas plantas e animais. Inicialmente pelos aumentos térmicos bruscos e posteriormente pelas temperaturas elevadas resultando em ondas de calor. Especificamente na columbofilia, tem-se vindo a constatar, por maior que tenha sido o esforço e dedicação para mitigar ou minimizar tais situações, que em condições térmicas elevadas ou em situação de onda de calor, que se verifica falta de adaptação dos pombos, columbófilos e estrutura associativa, resultando, por vezes, em situações de percas ou chegadas no segundo dia que não eram habituais ou expectáveis até há poucos anos atrás.
Depois de considerarmos os relatórios dos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro dos últimos anos, elaborado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), constata-se que estamos a assistir a um aumento térmico generalizado, que varia, por períodos, com temperaturas muitos elevadas quer mínimas quer máximas, no espaço temporal entre junho e setembro, associado a períodos de baixa humidade que não era habitual no nosso clima. Os meses de maio e junho serão os de maior impacte e preocupação por serem aqueles onde ainda se verifica um maior número de soltas e distâncias a percorrer, resultantes dos campeonatos columbófilos praticados pelos Clubes e Associações Columbófilas. Os meses de julho a setembro, apresentam um menor número de voos, mas, por ventura mais sonantes para aqueles que se dedicam à prática de competição columbófila em “derbys”.
Perante os vários cenários que a ciência nos apresenta, a curto e médio prazo, nas previsões climáticas para a temperatura, humidade e precipitação, conjugando-as com os nossos calendários habituais para a prática dos diversos campeonatos, entre os quais o habitual Campeonato Geral em que, quem gosta, ou participa ativamente, tem que enviar a todas as provas, que se estende até junho e, por vezes, julho, poder-se-á antever, genericamente, grandes dificuldades para cumprir o calendário ou provas a efetuar neste período em alguns anos.
Tendo sempre em mente, as situações térmicas a que tivemos sujeitos nos anos 2015, 2016 e 2017, e as consequências das provas efetuadas dentro ou acima dos limites térmicos de temperaturas mínimas iguais ou superiores a 19/20ºC e máximas iguais ou superiores a 37/38ºC, poderemos antever graves dificuldades futuras com as temperaturas elevadas e humidades baixas que os climatologistas adiantam para os próximos anos. Temos que ter consciência que os voos praticados com as temperaturas anteriormente referidas se efetuam na zona limite das capacidades físicas do pombo, por vezes facilitados quando há situações de vento favorável ou quando a humidade não baixa, durante o período de voo, abaixo dos 30%. Já vimos e identificámos situações que se constataram em provas realizadas em anos anteriores com estas condições e com valores de humidade baixa, e chegou-se à conclusão que normalmente só se consegue fazer provas com voo direto para períodos de 3 a 4 horas de voo, com pombos já muito experientes, porque com pombos novos, como por exemplo nos “derbys” esse limite de voo baixa dramaticamente para metade do tempo, como se constatou nos “derbys” deste ano que efetuaram treinos e/ou provas finais nos meses de agosto e setembro.
Nunca nos poderemos esquecer que as provas com pombos-correio começam necessariamente com transporte desde casa até ao local de encestamento, às condições e abeberamentos no período em que estão no Clube, ao transporte até ao local de solta e aos tempos de abeberamentos e de descanso, porque o sucesso da prova é intrínseco a todos estes fatores e não começa, necessariamente, no momento da solta.
Perante as adversidades que são previsíveis ou expectáveis pelos modelos climáticos para os próximos anos, é imperativo adaptar-mos os modelos de competição com Pombos-correio às novas realidades térmicas se pretendemos continuar a praticar a columbofilia com qualidade e dignidade, porque o pombo que estamos a cultivar, e a metodologia que estamos, presentemente, a usar no defeso nada tem a ver com o a robustez do pombo antigo, que passava o defeso à solta, sabia comer e era selecionado naturalmente: ficavam todos para o ano seguinte os que tinham aguentado a campanha anterior. O Pombo-correio atual só sabe “voar para casa”, voa até à exaustão, não sabe comer nem beber sem ser dentro do pombal, estando, também, sujeito a esquemas de voo e alimentação que, por vezes, não se adaptam à realidade das provas, contribuindo, necessariamente, para atrasos ou percas despropositadas.
Fernando Garrido
Técnico de Meteorologia