OpiniãoVisitas: Contador de Visitas 
PAI PERDOA-OS 29/01/2010

 

Não andou mais do que três anos à escola. Emigrou ainda novo, mas já calejado, para o Brasil. Gajo porreiro aquele. Sabem que gostava das pombas ?

Eu não vi - porque não o conheci solteiro – mas disseram-me que regressou em 59 trazendo umas malas grandes. Nelas uns quantos “ternos” de tecido fino e claro – que por cá não havia – boas camisas de seda,  vontade de lá voltar quanto não bastou, um livro de Jorge Amado de seu nome Gabriela Cravo e Canela, e umas boas dúzias de discos.

O tal livro era um presente para um amigo mais velho que se dizia ser homem do contra regime. Dias antes de regressar viu o livro numa montra do Rio e lembrou-se de uma conversa que ouvira em Portugal sobre livros e jornais proibidos. Calculou, porque era pouco letrado mas ágil de raciocínio, que na alfândega ninguém procuraria literatura “perigosa” na mala de um camponês, mesmo que bem vestido. Calculou bem e proporcionou ao amigo uma grande alegria. Viria a ser seu genro, mas nunca a ninguém ouvi dizer que fora por via da oferta da peça literária, e se ninguém disse, é porque a minha mãe o encantou mesmo e vice-versa.

Os discos trouxe-os porque gostava muito de música. Dizia que para se gostar de música e até mesmo saber de música, não faz falta ser-se doutor. Falou-me de grandes bailaricos que se fizeram cá na aldeia ao som de Nat King Cole e Carlos Gardel. Pôs todos lá em casa a cantar o India teus cabelos… de princípio ao fim.

Os ternos e as camisas foram-se gastando… como ele, aquele gajo porreiro que também gostava muito de pombas.

Se eu pudesse agora bater um papo com ele sobre as pombas de hoje, e da música de sempre… falar-lhe de pessoas que vou encontrando, e pedir-lhe que conferisse algumas das convicções que lhe serviam de mandamento… relembrar um dia em que ele se saiu com aquela tirada do “Ó patrão, uma coisa é música, e outra bem diferente, é a estardalhaço que alguns guarda-soleiros fazem”

Ao Ti Artur

 

Luís Silva

29/Jan/2010